domingo, 22 de fevereiro de 2009

Friboi: Quando o boi é só um detalhe


Se serviu para alguma coisa, a crise de 2008 acabou por comprovar que falta às empresas a competência para navegar no turbulento oceano das finanças, repleto de derivativos tóxicos e outros venenos. Os casos de Sadia, Aracruz e Votorantim são suficientes para demonstrar que mexer com finanças sofisticadas é coisa para financistas - ou, pode-se dizer, nem mesmo para eles. Diante disso, um caso chama a atenção justamente por ser uma incrível exceção. Em setembro, a mesa de operações financeiras do JBS-Friboi, maior frigorífico do mundo, espantou o mercado ao anunciar que obtivera um lucro de 722 milhões de dólares em suas operações de câmbio. Isso na mesma semana em que Sadia e Aracruz demitiram os executivos apontados como responsáveis por afundá-las em prejuízos oriundos de apostas desastradas na variação do dólar. Claro, apostas são apostas, e a do Friboi poderia ser apenas um lance de sorte. Esse, porém, não parece ser o caso. Parte do ganho se refere a ajustes diários de operações com derivativos dos recursos disponíveis para aquisições no exterior. Segundo apurado por uma revista especializada em negóciosou, o time de dez profissionais da mesa de operações do Friboi será responsável por aproximadamente 20% do lucro total do grupo em 2008. Os outros 54 990 funcionários responderão pelos 80% restantes. Os responsáveis por esse feito são executivos que ainda não chegaram aos 40 anos. O chefe da mesa de operações do Friboi é Emerson Loureiro, de 37 anos, que deixou o BankBoston há seis anos para se integrar à equipe. A mesa, uma espécie de treasury center ("centro de tesouraria", em inglês), funciona como uma estrutura à parte dos outros departamentos do grupo, principalmente no que se refere à remuneração por desempenho. Enquanto executivos de outras áreas recebem bônus de até 12 salários ao ano, na mesa a coisa é bem diferente - num bom ano, como 2008, os funcionários podem receber até 40 salários de bonificação. Criada em 2003, a mesa é responsável pela gestão dos riscos financeiros da companhia - que incluem oscilação de moedas, idas e vindas nas taxas de juro e exposição aos preços de commodities relacionadas ao negócio. Além de atuar no mercado futuro de boi, a mesa faz operações que nada têm a ver com o negócio, como compra e venda de contratos de soja e petróleo. Para prevenir prejuízos como os que acometeram Aracruz e Sadia, os funcionários da mesa do Friboi são expressamente proibidos de se aventurar no terreno das operações alavancadas. O limite de perda por operador é de cerca de 20% do patrimônio negociado por dia, segundo fontes ligadas à mesa. Se eles chegam próximo disso, têm de zerar as posições. Mesmo com essas restrições, a mesa do JBS-Friboi movimenta cerca de 5 bilhões de reais por mês e é responsável por pelo menos 20% dos contratos futuros de boi da BM&F. A ideia de montar uma mesa de operações partiu de Joesley Batista, um dos controladores e atual presidente do JBS- Friboi, quando as exportações do grupo começaram a crescer, no fim dos anos 90. Nessa época, surgiram dois desafios: reduzir as oscilações nos resultados da companhia, que passaram a ser frequentes por causa da volatilidade do dólar, e garantir a matéria-prima a um preço fixo. Após visitar a sede da americana Cargill, gigante do agronegócio famosa pela competência na compra e venda de commodities, Batista convidou Emílio Garofalo Filho, ex-diretor da área externa do Banco Central, para desenhar a mesa de operações. Com a estrutura montada, surgiu o segundo grande problema: convencer os pecuaristas a vender o boi ao preço de hoje para entregar no futuro - a chamada operação a termo. Para explicar as vantagens desse modelo de contrato, Batista fez cerca de 20 palestras entre 2003 e 2005 para mais de 5 000 pecuaristas. "Foi uma espécie de catequização dos fazendeiros, que estavam acostumados a vender o boi no mercado à vista", diz Garofalo. O empenho de Batista impulsionou o mercado futuro de boi negociado na BM&F. Desde a criação da mesa, em 2003, até o fim do ano passado, o volume de negócios desse mercado cresceu 36 vezes.
Pelo modelo criado por Joesley Batista, a mesa de operações representa muito mais do que um mecanismo meramente financeiro. "A mesa é a espinha dorsal do negócio", diz um executivo próximo ao Friboi. Até mesmo o momento e a quantidade a ser vendida de determinada peça de carne são decididos na área, que acompanha minuto a minuto as cotações no mercado. Com base numa média ponderada dos preços dos cortes, os operadores identificam se a cotação praticada no mercado está alta ou baixa e, consequentemente, se é vantajoso vender ou comprar naquele momento. Recentemente, Joesley Batista convenceu seus irmãos a aumentar ainda mais a área financeira da empresa, criando o JBS Banco. O objetivo é oferecer financiamento aos pecuaristas para, entre outras coisas, a construção de unidades de confinamento. O sucesso de sua área financeira levou Batista, inclusive, a anunciar mudanças recentes na estrutura do grupo. Em fevereiro, o Friboi demitiu 40 gerentes. Seu objetivo é tornar as decisões dos responsáveis por cada unidade mais ágeis e, assim, fazer com que a percepção dos operadores em relação ao mercado seja colocada em prática de forma mais rápida - o que aumentará ainda mais a responsabilidade de um departamento financeiro que, algo raro hoje em dia, ajuda em vez de atrapalhar.

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