sábado, 20 de agosto de 2011

A grande classe média brasileira se torna muitas vezes escrava dos supérfluos

Transcrevo aqui abaixo relato de uma jovem, onde se pode compreender que muitos de nossos paradigmas do dia-a-dia acabam por nos inserir em um redoma que muitas vezes não percebemos.

"No ano passado, meus pais tomaram uma decisão surpreendente para um casal de mais de 60 anos: alugaram o apartamento em um bairro nobre de São Paulo, enfiaram algumas peças de roupa na mala e embarcaram por um ano para Barcelona, onde meu irmão e eu moramos. Aqui, os dois alugaram um apartamento (com um terço do tamanho e um décimo do conforto do de São Paulo). Como nunca cozinharam para si mesmos, saíam todos os dias para almoçar e jantar. Com tempo de sobra, devoraram o calendário cultural da cidade: shows, peças de teatro, cinema e ópera quase diariamente. Também viajaram um pouco pela Espanha e a Europa. E tudo isso, muitas vezes, na companhia de filhos, genro, nora e amigos, a quem proporcionaram incontáveis jantares regados a vinhos. Com o passar de alguns meses, meus pais fizeram uma constatação que beirava o inacreditável: estavam gastando muito menos para viver aqui do que no Brasil, sendo que em São Paulo saíam para comer fora ou para algum programa cultural só de vez em quando, moravam em apartamento próprio e quase nunca viajavam. Milagre? Não. O que acontece é que, ao contrário do que fazem a maioria dos pais, eles resolveram experimentar o modelo de vida dos filhos em benefício próprio. “Quero uma vida como a sua, mais simples”, me disse minha mãe. Isto, nesse caso, significou deixar de lado o altíssimo padrão de vida de classe média alta para adotar um padrão de vida mais austero e justo da classe média europeia, da qual eu e meu irmão fazemos parte. O dinheiro que “sobrou” usaram em coisas prazerosas e gratificantes. Do outro lado do Atlântico, a coisa é bem diferente. A classe média europeia não tem moleza. Toda pessoa normal esfria a barriga no tanque e a esquenta no fogão, caminha até a padaria para comprar o seu próprio pão e enche o tanque de gasolina com as próprias mãos. É o preço que se paga por conviver com algo totalmente desconhecido no nosso país: a ausência do absurdo abismo social e, portanto, da mão de obra barata e disponível para qualquer necessidade do dia a dia. Traduzindo essa teoria na experiência vivida por meus pais, eles reaprenderam a dar uma limpada na casa, a usar o transporte público e as próprias pernas, a lavar a própria roupa, a não ter carro e, assim, a levar uma vida mais “sustentável”. E acreditem, não doeu nada. Uma vez de volta ao Brasil, eles simplificaram a estrutura que os cercava, cortaram uma lista enorme de itens supérfluos, reduziram assim os custos fixos e, mais leves, tornaram-se mais viajantes. Por que estou contando isso a vocês? Porque o resultado desse experimento quase científico feito pelos pais é a prova concreta de uma teoria que defendo em muitas conversas com amigos brasileiros: o nababesco padrão de vida almejado por parte da classe média alta brasileira acaba gerando stress, amarras e muita complicação como efeitos colaterais. Babás, empregadas, carro extra em São Paulo para o dia do rodízio (essa é de lascar!), casa na praia, móveis caríssimos e roupas de marca podem ser o sonho de qualquer um; só que, mesmo para quem curte estas coisas, a obrigação de manter tudo isso e administrar uma estrutura que se torna cada vez maior e complexa faz com que a pessoa se torne escrava sem se dar conta, correndo ainda o risco de estragar os filhos com esta educação terceiro mundista. E tem muita gente que aceita qualquer contingência em um emprego malfadado, apenas para não perder as mordomias da vida. Alguns amigos paulistanos não se conformam com a quantidade de viagens que faço por ano (no último ano foram 4 meses – graças também à minha vida de freelancer). “Você está milionária?”, me perguntam os amigos que moram no Brasil, que têm sofás comprados nas lojas mais caras, TV’s LED último modelo em todos os cômodos e carro do ano na garagem. É muito mais simples do que parece. Limpo o meu próprio banheiro, não estou nem aí para roupas de marca e tenho algumas manchas no meu sofá. Antes isso do que a escravidão de um padrão de vida que não traz felicidade - pelo menos, não a minha. Essa foi a maior lição que aprendi com os europeus — que viajam mais do que ninguém e são mestres na arte do saber viver sem fazer drama por ter que lavar uma louça ou arrumar a própria cama."

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