domingo, 18 de outubro de 2015

Na crise, elite paulistana mantém hábitos de alto padrão


O empresário Antônio Thamer Butros, 72, passa ao menos 30 horas por semana em um dos restaurantes mais caros de São Paulo. Um dos clientes mais antigos do A Figueira Rubaiyat, ele tem seu nome gravado em taças, baldes de gelo e facas de carne usadas durante as refeições. Um mimo oferecido apenas aos "habitués" da casa. "Depende de quantas companhias eu tenho, mas costumo beber de seis a 1 2 garrafas por dia", diz ele, que prefere a Dom Pérignon, vendida a R$ 1 .028 no local. A fidelidade de clientes da classe alta ajuda a equilibrar as contas de vários estabelecimentos voltados para a elite paulistana, que conseguem manter bons números apesar do mau momento econômico do país. Dados da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes apontam para uma queda média de 1 3% no faturamento do setor em São Paulo no primeiro trimestre de 201 5, ante o mesmo período do ano anterior. Mas a agenda de reservas do A Figueira Rubaiyat, lotada até janeiro, indica que por ali tudo anda muito bem, obrigada. Mesmo quem se diz afetado pelo sentimento de incerteza percebe menos mudanças. Nas casas do Grupo Fasano, por exemplo, o faturamento ficou só 2% abaixo do previsto em 201 5. "Não é uma queda brusca, mas sim, algo positivo em um momento de crise forte", diz Rogério Fasano. Para o diretor operacional do Grupo Rubaiyat, Gerson Meneses, a situação é pior do que a de 2008, "mas quem tem dinheiro semprevai ter". "É impressionante como a casa trabalha, olha como está", diz, apontando para o salão lotado na tarde de sábado (10/10). Todos os dias, cerca de 700 pessoas passam por ali. Essa média, diz Meneses, se mantém mesmo nesta fase. A matemática se repete em outras "ilhas sem crise" na cidade. Aos fins de semana, o restaurante Spot, na Bela Vista, já abre as portas com fila de 40 minutos para reservas. Nas noites mais cheias, a espera por uma mesa pode levar até duas horas e meia. "A crise não chegou ao Spot e nem vai chegar", diz Sérgio Kalil, um dos proprietários. "Em um sábado normal, já não conseguimos atender todo mundo, por isso perder alguns clientes não nos afeta." No Dia dos Namorados, as reservas se esgotaram três meses antes da data. Cliente assídua do restaurante há seis anos, Maria Alcina dos Santos, 67, empresária, diz estar vivendo um modo de vida mais 18/10/2015 Elite paulistana mantém hábitos e faz de estabelecimentos ilhas sem crise  "Se eu venho todos os sábados ao Spot, não dá para ir dez ou oito vezes por mês ao Due Cuochi [restaurante italiano no Itaim Bibi], um lugar que também adoro." A representante comercial Maria José Barros, 57, por sua vez, não mudou sua rotina. Em uma tarde no shopping Higienópolis, gastou R$ 2.700 em bijouterias finas da loja Camila Klein e em produtos de beleza. "Não quero sofrer por antecedência. Prefiro esperar para ver. Se ela [a crise] chegar, vou ter que cortar gastos com compras desnecessárias, como agora, comprei várias bijouterias." Um colar da marca, por exemplo, pode ultrapassar R$ 4.000. Circulando pelo mesmo shopping, a professora aposentada Sandra Aparecida de Amo, 61 , diz que se recusa a "alterar seu modo de vida para baixo". Na tarde da quinta (08/10), ela saía do salão de beleza Studio W, –do cabeleireiro Wanderley Nunes, que atende celebridades–, após gastar em torno de R$ 700 para hidratar, escovar e pintar as raízes do cabelo. "A pior coisa da crise é que afeta nosso moral. É muito deprimente", diz. A solução seria "se dar prazer". Por isso, se prepara para iniciar a "reforma dos sonhos" no apartamento que comprou em Santa Cecília, mas se preocupa com o preço dos materiais importados. "Como, por exemplo, uma banheira feita de uma rocha vulcânica. Ela é ótima porque não amarela e mantém a temperatura da água. Ah, mas eu não vou me privar dessa banheira!", afirma. O fluxo de pessoas na rede de salões Studio W, frequentada por Sandra, continua estável em relação a 201 4. Por dia, são feitos entre  50 e 650 atendimentos nas quatro unidades da capital. Além disso, o valor médio que cada cliente gasta nos salões da marca só aumenta. "Os clientes estão apreensivos, mas nossos serviços mexem com o bem­estar e a autoestima –e manter a aparência em ordem ajuda a encarar qualquer dificuldade", diz a sócia­proprietária Rosângela Barchetta. "O luxo do serviço que oferecemos não é inacessível para o perfil de clientes que atendemos." A mesma lógica é usada por Fernando Sommer, sócio da Casa 92, balada da zona oeste. Segundo ele, o local não sente o mau momento "de forma alguma" e o gasto médio é o mesmo. "[Nossos clientes] são profissionais estabelecidos no mercado que deixaram de realizar compras de roupa, de carro e, por isso, se permitem pelo menos se divertir. A Casa 92 vende alegria e, neste momento, é tudo o que as pessoas procuram." A análise de Sommer parece valer para outros espaços ocupados pela elite paulistana na capital. Inaugurado em maio na zona oeste, o Eataly atrai 3.500 pessoas diariamente, número que chega a dobrar nos fins de semana e segue crescendo. "O fator novidade ajuda, mas não é determinante. Acreditamos que não existe crise para qualidade", diz Luigi Testa, um dos gerentes gerais. "Não há crise nesse mercado. Esse vocabulário não existe no Rodeio. Aqui é o lugar do 'sim'", diz Francisco Chagas, 58, gerente de operação da churrascaria Rodeio. No restaurante, cujo gasto médio dos clientes é de R$ 162, o prato mais pedido é a picanha fatiada: R$ 228 para duas pessoas. Próximo dali, em Pinheiros, o dono de um carrinho de comida faz coro. Ele vende cachorro­ quente a R$ 8 para jovens que pagam até R$ 200 de entrada na Casa 92. "O rico atingiu pouquinho, mas o pobre que mora no fundão da zona norte, que nem eu, afetou." Professor do Mackenzie e especialista em finanças, Luiz Lemos Jr. diz que a crise ocorre em camadas. "Ainda têm estratos que não foram afetados, que seriam essas 'ilhas de não crise'. Mas isso não significa que os mais ricos não sofrerão, afirma. Tudo depende de quanto a deterioração da economia vai durar. Ele explica que a classe alta percebe a crise, mas se protege nos negócios, com cortes de investimentos e funcionários, para resguardar sua vida pessoal. "Estamos no mesmo barco", diz o economista­chefe da Associação Comercial de São Paulo, Marcel Solimeo.Segundo ele, a classe A é mais perturbada pela sensação de incerteza. Já quem possui menos dinheiro sofre com o desemprego e a dor no bolso. "É como se fosse um Titanic", compara Marcel. Os ocupantes da terceira classe se afogam primeiro, porque estão mais próximos da água. No entanto, quem fica nas cabines mais altas também pode afundar se o navio continuar naufragando. Fonte: da reportagem de Amanda Massuela e Ingrid Fagundez, do jornal Folha de São Paulo.

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